terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Guimarães: Capital Europeia da Cultura

Para quem não conhece Guimarães, para quem já por lá passou: para quem vive só de recordações e não perde oportunidade de as repetir ainda que noutro contexto... 


Por Eduardo Jorge Duque, professor da Universidade do Minho

Vejo a Capital Europeia da Cultura como um encontro de culturas. Por si só, esta interpretação é já um desafio, na medida em que, como encontro que é, implica conhecimento, abertura e respeito pelo outro, sendo este o lugar por excelência de questionamento do sujeito.

Num momento em que a Europa, depois de universalizar o seu modelo de vida em diferentes padrões de culturas, se nos afigura desgastada, esvaziada de valores e sem identidade, dando a impressão de que chegou ao seu fim, poderemos descobrir neste encontro de culturas uma plataforma que ajuda a construir uma habitação sólida e solidária, aonde se cruza o trabalho local com o nacional e internacional, como quem deseja arejar e enriquecer a sua casa. Foi isso que vimos no dia da abertura da Capital Europeia de Guimarães, que, com o tom solene do Maestro Rui Massena, agregou instrumentos e pessoas locais e de além fronteiras, tudo numa mesma harmonia.

Oswald Spengler viu nas grandes expressões culturais como que uma espécie de lei natural ao referir que existe um momento de nascimento, crescimento gradual, desenvolvimento, lento empobrecimento, envelhecimento e, como consequência natural deste processo, surgiria a morte. Para este autor, o Ocidente chegou ao seu fim, como uma pessoa que teve o seu tempo. Ora, poderíamos perguntar, como chegamos até aqui? Como cavamos a nossa própria sepultura? Muitos autores apontam o dedo ao vago exercício da razão crítica, ao culta da técnica, à relatividade, já que deixou de haver qualquer verdade substantiva que não tenha sido impugnada, facto que levou G. Steiner a invocar a “nostalgia do Absoluto”. O homem moderno libertou-se de tutelas, de referências não porque se tenha decidido libertar da Igreja, mas porque as perdeu de vista, ficando, como consequência, cada vez mais só.

A Capital da Cultura ao potenciar as diferentes expressões culturais está, por um lado, a não permitir que se perca o acervo de valores comuns adquiridos ao largo de séculos de história de vitórias, de sangue e de lágrimas de um povo, por outro lado, está a revitalizar as estruturas locais, a permitir que se partilhe o que de melhor se faz, construindo comunidades sólidas, que acreditam que é possível voar mais alto para superar qualquer crise de identidade. Estou certo de que Portugal precisa deste ânimo para não sucumbir à certidão de Spengler.  

Ora, se o Ocidente está em crise e se, em parte, conhecemos a sua causa, podemos apontar-lhe o processo de cura, que passará, a meu ver, pela adesão livre às propostas de Cristo, que se revelou um Deus próximo das nossas vulnerabilidades. O problema é que, em muitas circunstâncias, é inconveniente, ou pouco aconselhável, fazer-se uma qualquer referência a Deus. Sabemos que a este respeito existe um falso argumento que confunde o secularismo com a imparcialidade ou neutralidade. Por que é que a exclusão da referência a Deus, à religião ou à Igreja é mais neutral do que a sua inclusão? Deixando de lado toda a polémica subjacente a esta questão, interessa-nos aqui apresentar a Igreja não exclusivamente como comunidade crente, mas como comunidade que oferece uma tradução contemporânea da mensagem evangélica. E neste contexto, encontramos a Igreja a dialogar com a CEC, propondo iniciativas como o roteiro religioso, aonde se disponibiliza material que auxilia a interpretar a arte religiosa, ou o Átrio dos Gentios, que se propõe ser um espaço de diálogo entre crentes e não crentes.

A Igreja, neste diálogo aberto e concreto com a CEC, tem a oportunidade de lançar sementes do Reino, rasgar horizontes de felicidade, comunicar sinais de esperança, enfim, ser uma realidade concreta no espaço das relações humanas. A Igreja, tal como outrora - porque trás em si inscrita o diálogo das civilizações -, tem que continuar a ser, também hoje, fator primário de unidade entre povos e culturas. Daí que a CEC não é estranha à Igreja, bem pelo contrário, já que, tanto a Igreja como CEC, são genética e culturalmente universais.

Seria desejável que a CEC, na programação que tem pela frente, não se fechasse - e não o tem feito -, em conteúdos de superficialidade, de índole niilista, mas que fizesse propostas culturais verdadeiramente humanas, esperançadas, que fale da frescura da vida, de forma a que não construa uma imagem de uma sociedade, neste caso concreto a partir de Guimarães, enferma, sem memória, perdida no tempo ou sem sentido.

Seria bom que, finda a programação da CEC, se continuasse abrir horizontes, se encontrassem pessoas motivadas para a cultura, se entendesse os tambores, pianos, trompetes, fagotes e violinos, se prolongasse as tertúlias à procura da verdade, se veja películas na praça, se trabalhe o artesanato, se valorize os escritores e os poetas (…), se procure ver as coisas tal como são. Assim, a cultura, a que se deseja que a Capital Europeia da Cultura evoque, deixa de ser, como é tantas vezes no presente, meio de evasão e símbolo de decadência, para passar a mobilizar a inteligência e purificar o olhar.



segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A espiritualidade da Cruz no Matrimónio: fonte de Vida

O povo de Siroki-Brijeg (pequena cidade próxima de Medjugorje), tem uma maravilhosa distinção: ninguém se lembra que tenha existido um só divórcio, entre os seus 13 mil habitantes, nem um caso duma família que tenha deixado a fé católica!

O segredo é simples: os habitantes croatas têm mantido a sua fé católica, suportando por causa disso a perseguição dos turcos durante séculos, e depois dos comunistas. A sua fé está fortemente arraigada no conhecimento do poder salvador da Cruz de Jesus Cristo.

Esse povo possui uma grande sabedoria, que vem sabendo aplicar ao Matrimónio e à Família. Eles sabem de que o Matrimónio está indissoluvelmente ligado à Cruz de Cristo. O sacerdote diz-lhes: “Encontraste a tua cruz. É uma cruz para amar, levá-la contigo, uma cruz que não se tira, mas que se guarda, enterra-se na tua alma”. Quando um casal se prepara para contrair Matrimónio, não lhes dizem que encontraram a “pessoa perfeita”. Não! A Cruz representa o Amor Maior e o Crucifixo é o tesouro da casa. Quando os noivos vão à Igreja, levam o Crucifixo com eles. O sacerdote benze o Crucifixo.

Quando chega o momento de afirmar os seus votos, a noiva põe a sua mão direita sobre o crucifixo e o noivo põe a sua mão sobre a dela, de maneira que as duas mãos estão unidas à cruz. O sacerdote cobre as mãos deles com a sua estola, enquanto proclamam as suas promessas segundo o rito da Igreja: de serem fiéis um ao outro, nas alegrias e nas penas, na saúde e na enfermidade, até a morte.

Depois, os noivos não se beijam, mas ambos beijam a cruz. Se um dos dois abandona o outro, abandona a Cristo na Cruz. Depois da cerimónia, os recém-casados levam o crucifixo para casa, onde é posto num lugar de honra. Será para sempre o ponto de referência e o lugar de oração familiar.

Em tempo de dificuldades não vão ao advogado, nem ao psiquiatra, mas vão juntos diante da cruz em busca da ajuda de Jesus. Chorarão e abrirão os seus corações, pedindo perdão ao Senhor e um ao outro. E irão dormir em paz porque no seu coração receberam o consolo e o perdão do Único que tem o poder para salvar.

Ensinarão os filhos a beijar a cruz cada dia, e a não irem dormir como os pagãos sem dar graças primeiro a Jesus. Sabem que Jesus os tem nos Seus braços e não há nada a temer. in catholic.net

Fonte: Senza

Mensagem do Papa Bento XVI para a Quaresma de 2012


«Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras» (Heb 10, 24)

Irmãos e irmãs!

A Quaresma oferece-nos a oportunidade de refletir mais uma vez sobre o cerne da vida cristã: o amor. Com efeito este é um tempo propício para renovarmos, com a ajuda da Palavra de Deus e dos Sacramentos, o nosso caminho pessoal e comunitário de fé. Trata-se de um percurso marcado pela oração e a partilha, pelo silêncio e o jejum, com a esperança de viver a alegria pascal.

Desejo, este ano, propor alguns pensamentos inspirados num breve texto bíblico tirado da Carta aos Hebreus: «Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras» (10, 24). Esta frase aparece inserida numa passagem onde o escritor sagrado exorta a ter confiança em Jesus Cristo como Sumo Sacerdote, que nos obteve o perdão e o acesso a Deus. O fruto do acolhimento de Cristo é uma vida edificada segundo as três virtudes teologais: trata-se de nos aproximarmos do Senhor «com um coração sincero, com a plena segurança da » (v. 22), de conservarmos firmemente «a profissão da nossa esperança» (v. 23), numa solicitude constante por praticar, juntamente com os irmãos, «o amor e as boas obras» (v. 24). Na passagem em questão afirma-se também que é importante, para apoiar esta conduta evangélica, participar nos encontros litúrgicos e na oração da comunidade, com os olhos fixos na meta escatológica: a plena comunhão em Deus (v. 25). Detenho-me no versículo 24, que, em poucas palavras, oferece um ensinamento precioso e sempre atual sobre três aspetos da vida cristã: prestar atenção ao outro, a reciprocidade e a santidade pessoal.

«Prestemos atenção»: a responsabilidade pelo irmão.

O primeiro elemento é o convite a «prestar atenção»: o verbo grego usado é katanoein, que significa observar bem, estar atento, olhar conscienciosamente, dar-se conta de uma realidade. Encontramo-lo no Evangelho, quando Jesus convida os discípulos a «observar» as aves do céu, que não se preocupam com o alimento e todavia são objeto de solícita e cuidadosa Providência divina (cf. Lc 12, 24), e a «dar-se conta» da trave que têm na própria vista antes de reparar no argueiro que está na vista do irmão (cf. Lc6, 41). Encontramos o referido verbo também noutro trecho da mesma Carta aos Hebreus, quando convida a «considerar Jesus» (3, 1) como o Apóstolo e o Sumo Sacerdote da nossa fé. Por conseguinte o verbo, que aparece na abertura da nossa exortação, convida a fixar o olhar no outro, a começar por Jesus, e a estar atentos uns aos outros, a não se mostrar alheio e indiferente ao destino dos irmãos. Mas, com frequência, prevalece a atitude contrária: a indiferença, o desinteresse, que nascem do egoísmo, mascarado por uma aparência de respeito pela «esfera privada». Também hoje ressoa, com vigor, a voz do Senhor que chama cada um de nós a cuidar do outro. Também hoje Deus nos pede para sermos o «guarda» dos nossos irmãos (cf. Gn 4, 9), para estabelecermos relações caracterizadas por recíproca solicitude, pela atenção ao bem do outro e a todo o seu bem. O grande mandamento do amor ao próximo exige e incita a consciência a sentir-se responsável por quem, como eu, é criatura e filho de Deus: o facto de sermos irmãos em humanidade e, em muitos casos, também na fé deve levar-nos a ver no outro um verdadeiroalter ego, infinitamente amado pelo Senhor. Se cultivarmos este olhar de fraternidade, brotarão naturalmente do nosso coração a solidariedade, a justiça, bem como a misericórdia e a compaixão. O Servo de Deus Paulo VI afirmava que o mundo atual sofre sobretudo de falta de fraternidade: «O mundo está doente. O seu mal reside mais na crise de fraternidade entre os homens e entre os povos, do que na esterilização ou no monopólio, que alguns fazem, dos recursos do universo» (Carta enc. Populorum progressio, 66).

A atenção ao outro inclui que se deseje, para ele ou para ela, o bem sob todos os seus aspetos: físico, moral e espiritual. Parece que a cultura contemporânea perdeu o sentido do bem e do mal, sendo necessário reafirmar com vigor que o bem existe e vence, porque Deus é «bom e faz o bem» (Sal 119/118, 68). O bem é aquilo que suscita, protege e promove a vida, a fraternidade e a comunhão. Assim a responsabilidade pelo próximo significa querer e favorecer o bem do outro, desejando que também ele se abra à lógica do bem; interessar-se pelo irmão quer dizer abrir os olhos às suas necessidades. A Sagrada Escritura adverte contra o perigo de ter o coração endurecido por uma espécie de «anestesia espiritual», que nos torna cegos aos sofrimentos alheios. O evangelista Lucas narra duas parábolas de Jesus, nas quais são indicados dois exemplos desta situação que se pode criar no coração do homem. Na parábola do bom Samaritano, o sacerdote e o levita, com indiferença, «passam ao largo» do homem assaltado e espancado pelos salteadores (cf. Lc 10, 30-32), e, na do rico avarento, um homem saciado de bens não se dá conta da condição do pobre Lázaro que morre de fome à sua porta (cf. Lc 16, 19). Em ambos os casos, deparamo-nos com o contrário de «prestar atenção», de olhar com amor e compaixão. O que é que impede este olhar feito de humanidade e de carinho pelo irmão? Com frequência, é a riqueza material e a saciedade, mas pode ser também o antepor a tudo os nossos interesses e preocupações próprias. Sempre devemos ser capazes de «ter misericórdia» por quem sofre; o nosso coração nunca deve estar tão absorvido pelas nossas coisas e problemas que fique surdo ao brado do pobre. Diversamente, a humildade de coração e a experiência pessoal do sofrimento podem, precisamente, revelar-se fonte de um despertar interior para a compaixão e a empatia: «O justo conhece a causa dos pobres, porém o ímpio não o compreende» (Prov 29, 7). Deste modo entende-se a bem-aventurança «dos que choram» (Mt 5, 4), isto é, de quantos são capazes de sair de si mesmos porque se comoveram com o sofrimento alheio. O encontro com o outro e a abertura do coração às suas necessidades são ocasião de salvação e de bem-aventurança.

O facto de «prestar atenção» ao irmão inclui, igualmente, a solicitude pelo seu bem espiritual. E aqui desejo recordar um aspeto da vida cristã que me parece esquecido: a correção fraterna, tendo em vista a salvação eterna. De forma geral, hoje é-se muito sensível ao tema do cuidado e do amor que visa o bem físico e material dos outros, mas quase não se fala da responsabilidade espiritual pelos irmãos. Na Igreja dos primeiros tempos não era assim, como não o é nas comunidades verdadeiramente maduras na fé, nas quais se tem a peito não só a saúde corporal do irmão, mas também a da sua alma tendo em vista o seu destino derradeiro. Lemos na Sagrada Escritura: «Repreende o sábio e ele te amará. Dá conselhos ao sábio e ele tornar-se-á ainda mais sábio, ensina o justo e ele aumentará o seu saber» (Prov 9, 8-9). O próprio Cristo manda repreender o irmão que cometeu um pecado (cf. Mt 18, 15). O verbo usado para exprimir a correção fraterna – elenchein – é o mesmo que indica a missão profética, própria dos cristãos, de denunciar uma geração que se faz condescendente com o mal (cf. Ef 5, 11). A tradição da Igreja enumera entre as obras espirituais de misericórdia a de «corrigir os que erram». É importante recuperar esta dimensão do amor cristão. Não devemos ficar calados diante do mal. Penso aqui na atitude daqueles cristãos que preferem, por respeito humano ou mera comodidade, adequar-se à mentalidade comum em vez de alertar os próprios irmãos contra modos de pensar e agir que contradizem a verdade e não seguem o caminho do bem. Entretanto a advertência cristã nunca há de ser animada por espírito de condenação ou censura; é sempre movida pelo amor e a misericórdia e brota duma verdadeira solicitude pelo bem do irmão. Diz o apóstolo Paulo: «Se porventura um homem for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi essa pessoa com espírito de mansidão, e tu olha para ti próprio, não estejas também tu a ser tentado» (Gl 6, 1). Neste nosso mundo impregnado de individualismo, é necessário redescobrir a importância da correção fraterna, para caminharmos juntos para a santidade. É que «sete vezes cai o justo» (Prov 24, 16) – diz a Escritura –, e todos nós somos frágeis e imperfeitos (cf. 1 Jo 1, 8). Por isso, é um grande serviço ajudar, e deixar-se ajudar, a ler com verdade dentro de si mesmo, para melhorar a própria vida e seguir mais retamente o caminho do Senhor. Há sempre necessidade de um olhar que ama e corrige, que conhece e reconhece, que discerne e perdoa (cf.Lc 22, 61), como fez, e faz, Deus com cada um de nós.

«Uns aos outros»: o dom da reciprocidade.

O facto de sermos o «guarda» dos outros contrasta com uma mentalidade que, reduzindo a vida unicamente à dimensão terrena, deixa de a considerar na sua perspetiva escatológica e aceita qualquer opção moral em nome da liberdade individual. Uma sociedade como a atual pode tornar-se surda quer aos sofrimentos físicos, quer às exigências espirituais e morais da vida. Não deve ser assim na comunidade cristã! O apóstolo Paulo convida a procurar o que «leva à paz e à edificação mútua» (Rm 14, 19), favorecendo o «próximo no bem, em ordem à construção da comunidade» (Rm 15, 2), sem buscar «o próprio interesse, mas o do maior número, a fim de que eles sejam salvos» (1 Cor 10, 33). Esta recíproca correção e exortação, em espírito de humildade e de amor, deve fazer parte da vida da comunidade cristã.

Os discípulos do Senhor, unidos a Cristo através da Eucaristia, vivem numa comunhão que os liga uns aos outros como membros de um só corpo. Isto significa que o outro me pertence: a sua vida, a sua salvação têm a ver com a minha vida e a minha salvação. Tocamos aqui um elemento muito profundo da comunhão: a nossa existência está ligada com a dos outros, quer no bem quer no mal; tanto o pecado como as obras de amor possuem também uma dimensão social. Na Igreja, corpo místico de Cristo, verifica-se esta reciprocidade: a comunidade não cessa de fazer penitência e implorar perdão para os pecados dos seus filhos, mas alegra-se contínua e jubilosamente também com os testemunhos de virtude e de amor que nela se manifestam. Que «os membros tenham a mesma solicitude uns para com os outros» (1 Cor 12, 25) – afirma São Paulo –porque somos um e o mesmo corpo. O amor pelos irmãos, do qual é expressão a esmola – típica prática quaresmal, juntamente com a oração e o jejum – radica-se nesta pertença comum. Também com a preocupação concreta pelos mais pobres, pode cada cristão expressar a sua participação no único corpo que é a Igreja. E é também atenção aos outros na reciprocidade saber reconhecer o bem que o Senhor faz neles e agradecer com eles pelos prodígios da graça que Deus, bom e omnipotente, continua a realizar nos seus filhos. Quando um cristão vislumbra no outro a ação do Espírito Santo, não pode deixar de se alegrar e dar glória ao Pai celeste (cf. Mt 5, 16).

«Para nos estimularmos ao amor e às boas obras»: caminhar juntos na santidade.

Esta afirmação da Carta aos Hebreus (10, 24) impele-nos a considerar a vocação universal à santidade como o caminho constante na vida espiritual, a aspirar aos carismas mais elevados e a um amor cada vez mais alto e fecundo (cf. 1 Cor 12, 31 – 13, 13). A atenção recíproca tem como finalidade estimular-se, mutuamente, a um amor efetivo sempre maior, «como a luz da aurora, que cresce até ao romper do dia» (Prov 4, 18), à espera de viver o dia sem ocaso em Deus. O tempo, que nos é concedido na nossa vida, é precioso para descobrir e realizar as boas obras, no amor de Deus. Assim a própria Igreja cresce e se desenvolve para chegar à plena maturidade de Cristo (cf. Ef 4, 13). É nesta perspetiva dinâmica de crescimento que se situa a nossa exortação a estimular-nos reciprocamente para chegar à plenitude do amor e das boas obras.

Infelizmente, está sempre presente a tentação da tibieza, de sufocar o Espírito, da recusa de «pôr a render os talentos» que nos foram dados para bem nosso e dos outros (cf. Mt 25, 24-28). Todos recebemos riquezas espirituais ou materiais úteis para a realização do plano divino, para o bem da Igreja e para a nossa salvação pessoal (cf. Lc 12, 21; 1 Tm 6, 18). Os mestres espirituais lembram que, na vida de fé, quem não avança, recua. Queridos irmãos e irmãs, acolhamos o convite, sempre atual, para tendermos à «medida alta da vida cristã» (João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte, 31). A Igreja, na sua sabedoria, ao reconhecer e proclamar a bem-aventurança e a santidade de alguns cristãos exemplares, tem como finalidade também suscitar o desejo de imitar as suas virtudes. São Paulo exorta: «Adiantai-vos uns aos outros na mútua estima» (Rm 12, 10).

Que todos, à vista de um mundo que exige dos cristãos um renovado testemunho de amor e fidelidade ao Senhor, sintam a urgência de esforçar-se por adiantar no amor, no serviço e nas obras boas (cf. Heb 6, 10). Este apelo ressoa particularmente forte neste tempo santo de preparação para a Páscoa. Com votos de uma Quaresma santa e fecunda, confio-vos à intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria e, de coração, concedo a todos a Bênção Apostólica


Vaticano, 3 de novembro de 2011

Benedictus PP. XVI


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

"Quotidie morior"

Dos escritos da B. Isabel da Trindade: Último Retiro, 9º dia

23. Falando a Abraão, Deus dizia: «Caminha na minha presença e sê perfeito». É, pois, este o meio para alcançar esta perfeição que o nosso Pai do Céu nos pede! São Paulo, depois de se ter abismado nestes divinos conselhos, revelava-o muito justamente às nossas almas, escrevendo «que Deus nos escolheu n'Ele antes da criação, para sermos imaculados e santos em Sua presença no amor». É ainda à luz deste mesmo santo que vou esclarecer-me para andar, sem nunca conhecer desvios, nesta senda magnífica da presença de Deus, em que a alma caminha 'a sós com Ele só', conduzida pela «força da Sua dextra», «na protecção das Suas asas, sem temer os pavores da noite, nem a seta que voa a meio da jornada, nem o mal que se infiltra pelas trevas, ou os assaltos do demónio do meio-dia...». 

24. «Despojai-vos do homem velho, segundo o qual vivestes na vossa primeira vida, diz-me ele, e revesti-vos do homem novo, que foi criado, segundo Deus, na justiça e na santidade». Eis o caminho traçado; trata-se apenas de se despojar para o percorrer como Deus o entende! Despojar-se, morrer para si mesmo, deixar de se ver a si próprio, parece-me que assim cuidava o Mestre quando dizia: «Se alguém quer vir após Mim, que tome a sua cruz e renuncie a si próprio». «Se viverdes segundo a carne, diz ainda o Apóstolo, morrereis; mas se mortificardes pelo espírito as obras da carne, vivereis». Eis a morte que Deus pede e da qual se diz: «A morte foi absorvida pela vitória». «Ó morte, diz o Senhor, eu serei a tua morte»; quer dizer: Ó alma, minha filha adoptiva, olha-me e perder-te-ás de vista; derrama-te inteiramente no Meu Ser, vem morrer em Mim, para que Eu viva em ti!...


terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Sursum Corda!


A nossa Mãe e Mestra - a Santa Igreja - que só quer a felicidade dos Seus filhos, convida-nos a todo o momento, quer na Palavra, quer através de pessoas que são verdadeiramente instrumento de salvação, a convertermos o nosso coração, tão fragilzinho, a Deus nosso Senhor. 


Dos escritos autobiográficos de S. Margarida-Maria Alacoque:

«Comecei então a olhar para o mundo e a adornar-me para lhe agradar, procurando divertir-me quanto podia. Mas Vós, ó meu Deus, Vós sois a única testemunha da grandeza e duração da luta espantosa que eu sofria dentro de mim. Nela teria mil e mil vezes sucumbido, se não fosse o auxílio extraordinário da Vossa misericordiosa bondade, cujos desígnios eram muitos diferentes dos que eu ideava no meu coração. Vós me fizestes conhecer bem, nesta batalha como em muitas outras, quão duro e difícil havia de ser o recalcitrar contra o potente aguilhão do Vosso amor, embora a minha malícia e infidelidade me levassem a empregar todas as forças para lhe resistir, e extinguir em mim todos os seus influxos. Mas foi em vão; porque no meio das companhias e divertimentos, me arrojáveis setas tão ardentes, que trespassavam e consumiam o meu coração; e a dor, que sentia, punha-me inteiramente fora de mim.

E não bastando ainda isto a um coração tão ingrato como o meu para o fazer desisir, sentia-me atada e como arrastada à força de cordas, tão fortemente, que por fim era obrigada a seguir aquele Senhor, que me chamava a algum lugar secreto e me dava severas repreensões, porque tinha zelos do meu miserável coração, que sofria perseguições espantosas. E depois de Lhe ter pedido perdão prostrada de face por terra, mandava-me tomar uma longa e áspera disciplina. Mas eu voltava de novo, inteiramente como dantes, às minhas resistencia e vaidades.

Depois, à noite, quando tirava aquelas malditas librés de Satanás, isto é, os vãos enfeites, instrumentos da malícia dele, aparecia-me o meu soberano Senhor, como na flagelação, completamente desfigurado, fazendo-me terríveis queixas: que as minhas vaidades O tinham reduzido àquele estado; que eu perdia um tempo tão precioso, de que Ele me havia de pedir rigorosa conta à hora da morte; que O atraiçoava e perseguia, depois de Ele me ter dado tantas provas de amor e me ter mostrado todo o Seu desejo de que eu me tornasse semelhante a Ele. Tudo isto se imprimia em mim tão fundamente, e me fazia tão dolorosas feridas no coração, que eu chorava amargamente; ser-me-ía muito dificil explicar tudo quanto sofria e se passava em mim».

Alleluia...

Quarta-Feira de Cinzas: dia de jejum e abstinência


Do blogue: Catolicidad

Publicamos, de nuevo, este post del 17 de febrero de 2010 que entonces titulamos "MIÉRCOLES DE CENIZA: POLVO ERES Y EN POLVO TE CONVERTIRÁS", mismo que nos han hecho favor de reproducir también otros blogs católicos, ya que sintetiza muy bien lo que esta fecha significa. Aparecerá inusualmente durante dos días seguidos (martes y miércoles) para que nadie olvide que el miércoles de ceniza obligan el ayuno y la abstinencia a partir de las 0.00 hrs.


Inicia, así, la Cuaresma el Miércoles de Ceniza: “Memento homo, quia pulvis es, et in pulverem revertis” (Recuerda, hombre, que polvo eres y en polvo te convertirás).

Es día de ayuno y abstinencia:


El ayuno obliga desde los dieciocho años hasta los cincuenta y nueve.


La abstinencia obliga a partir de los catorce años cumplidos (aunque es aconsejable iniciarla desde los 7 años, como antes se acostumbraba).

El ayuno es realizar sólo una comida fuerte (completa) al día. Se permite, además, la parvedad en la mañana y la colación en la noche que consiste en un muy ligero alimento (bastante menor al acostumbrado). No debe comerse ningún otro alimento entre comidas. Los líquidos simples o para calmar la sed pueden beberse a cualquier hora (por ejemplo: agua, cerveza, vino, café con poca azúcar, etc.). No deben beberse, entre comidas, caldos, leche y otros que fungen como alimento.

La abstinencia prohibe comer DURANTE LAS 24 HRS. DEL DÍA, carne y caldo de carne de animales terrestres o que vuelan (res, carnero, cerdo, pollo, codorniz, pájaros, etc.). Se permite la carne de pescados o mariscos (animales acuáticos). En algunas regiones existe el error generalizado de que se permite el pollo o el caldo de pollo, pero esto no es así.

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MIERCOLES DE CENIZA: EL INICIO DE LA CUARESMA


Autores: Tere Fernández y Luis Gutiérrez


La imposición de las cenizas nos recuerda que nuestra vida en la tierra es pasajera y que nuestra vida definitiva se encuentra en el Cielo.

La Cuaresma comienza con el Miércoles de Ceniza y es un tiempo de oración, penitencia y ayuno. Cuarenta días que la Iglesia marca para la conversión del corazón.

Origen de la costumbre

Antiguamente los judíos acostumbraban cubrirse de ceniza cuando hacían algún sacrificio y los ninivitas también usaban la ceniza como signo de su deseo de conversión de su mala vida a una vida con Dios.

En los primeros siglos de la Iglesia, las personas que querían recibir el Sacramento de la Reconciliación el Jueves Santo, se ponían ceniza en la cabeza y se presentaban ante la comunidad vestidos con un "hábito penitencial". Esto representaba su voluntad de convertirse.

En el año 384 d.C., la Cuaresma adquirió un sentido penitencial para todos los cristianos y desde el siglo XI, la Iglesia de Roma acostumbra poner las cenizas al iniciar los 40 días de penitencia y conversión.

Las cenizas que se utilizan se obtienen quemando las palmas usadas el Domingo de Ramos de año anterior. Esto nos recuerda que lo que fue signo de gloria pronto se reduce a nada.

También, fue usado el período de Cuaresma para preparar a los que iban a recibir el Bautismo la noche de Pascua, imitando a Cristo con sus 40 días de ayuno.

La imposición de ceniza es una costumbre que nos recuerda que algún día vamos a morir y que nuestro cuerpo se va a convertir en polvo. Nos enseña que todo lo material que tengamos aquí se acaba. En cambio, todo el bien que tengamos en nuestra alma nos lo vamos a llevar a la eternidad. Al final de nuestra vida, sólo nos llevaremos aquello que hayamos hecho por Dios y por nuestros hermanos los hombres.

Cuando el sacerdote nos pone la ceniza, debemos tener una actitud de querer mejorar, de querer tener amistad con Dios. La ceniza se le impone a los niños y a los adultos.



DEL CATECISMO MAYOR DE SAN PÍO X:


39. ¿Por qué el primer día de Cuaresma se llama día de CENIZA? - El primer día de Cuaresma se llama día de Ceniza porque en este día pone la Iglesia sobre la cabeza de los fieles la sagrada Ceniza.

40. ¿Por qué la Iglesia impone la sagrada Ceniza al principio de la Cuaresma? - La Iglesia, al principio de la Cuaresma, acostumbra poner la sagrada Ceniza para recordarnos que somos compuestos de polvo y a polvo hemos de reducirnos con la muerte, y así nos humillemos y hagamos penitencia de nuestros pecados, mientras tenemos tiempo.

41. ¿Con qué disposiciones hemos de recibir la sagrada Ceniza? - Hemos de recibir la sagrada Ceniza con un corazón contrito y humillado, y con la santa resolución de pasar la Cuaresma en obras de penitencia.

42. ¿Qué hemos de hacer para pasar bien la Cuaresma según la mente de la Iglesia? - Para pasar bien la Cuaresma según la mente de la Iglesia hemos de hacer cuatro cosas: 1ª, guardar exactamente el ayuno y la abstinencia, y mortificarnos no sólo en las cosas ilícitas y peligrosas, sino también en cuanto podamos en las lícitas, como sería moderándonos en las recreaciones; 2ª, darnos a la oración y hacer limosnas y otras obras de cristiana piedad con el prójimo más que de ordinario, 3ª, oír la palabra de Dios, no ya por costumbre o curiosidad, sino con deseo de poner en práctica las verdades que se oyen; 4ª, andar con solicitud en prepararnos a la confesión para hacer más meritorio el ayuno y disponernos mejor a la Comunión pascual.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

"O amor bendito do matrimónio"

‘Abençoo o matrimónio com as minhas duas mãos de sacerdote’, dizia São Josemaria. Recomendava aos cônjuges discutir pouco e terminar sempre com o perdão e um abraço (02’32’’)

Fonte: Opus Dei


Para ver com legendas em Língua Portuguesa: clicar aqui.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

"Homem e Mulher: Imagem da Trindade"

Um excelente texto do "controverso" Christopher West. Correm boatos que alegam ideias terríveis jamais mencionadas por este teólogo, conforme se pode comprovar pelas palavras que se seguem. Por isso, crendo que não passam de boatos de cegos que querem guiar outros cegos (todos nós) - de mal-entendidos -, e após ter questionado algumas pessoas (inclusive casais que são para mim exemplo) passo a transcrever o seguinte texto, retirado do blogue Uma só carne.

Por Christopher West

O século XX testemunhou desenvolvimentos significantes na teologia da Igreja a respeito do casamento, começando com a encíclica Casti Conubii, escrita pelo Papa Pio XI em 1930, passando pelo Concílio Vaticano II e a encíclica Humanae Vitae, do Papa Paulo VI, e culminando nos vários escritos e pensamentos do Papa João Paulo II. De fato, mais de dois terços de tudo o que a Igreja Católica disse sobre o casamento em seus dois mil anos de história veio à tona durante o pontificado de João Paulo II. [1]

O Concílio Vaticano II marcou a mudança de uma apresentação meramente “jurídica” do casamento, típica de muitos pronunciamentos anteriores da Igreja, para uma abordagem mais “pessoal”. Em outras palavras, ao invés de focar meramente as “obrigações”, “direitos” e “fins” do casamento, os Padres do Concílio enfatizaram como essas mesmas obrigações, direitos e fins são manifestados pelo amor íntimo e interpessoal dos esposos. “Tal amor, fundindo o humano e o divino, conduzem os esposos a uma livre e mútua doação de si mesmos, uma doação oferecendo-se a si mesmos por uma suave afeição, e por direito; tal amor permeia completamente suas vidas, crescendo mais e melhor através de sua generosidade.” [2]

Explicar de que forma o amor conjugal pode ser uma “fusão entre o humano e o divino” é a meta da teologia do casamento. Embora muito mais possa e deva ser dito do que este artigo permite[3], nós podemos ao menos apresentar uma teologia matrimonial básica. Comecemos com uma definição do casamento vinda do Vaticano II e da Lei Canônica, e depois explicaremos cada um de seus pontos.

Uma Definição de Casamento

O casamento é a íntima, exclusiva e indissolúvel comunhão de vida e de amor assumida por homem e mulher como desígnio do Criador com o propósito de seu próprio bem e da procriação e educação dos filhos; esta aliança entre pessoas batizadas foi elevada por Cristo Senhor à dignidade de um sacramento. [4]

Comunhão íntima de vida e amor: o casamento é a mais estreita e a mais íntima das afeições humanas. Ele envolve a partilha da vida inteira de uma pessoa com seu(sua) esposo(a). O casamento chama os esposos para uma mútua entrega de si mesmos um ao outro, tão íntima e completa que — sem perder sua individualidade — se tornam “um” não somente no corpo, mas também na alma.

Comunhão exclusiva de vida e amor: como uma doação mútua de duas pessoas uma à outra, esta união íntima exclui semelhante união com qualquer outra pessoa. Ela exige a total fidelidade entre os esposos. Esta exclusividade é também essencial para os filhos do casal.

Comunhão indissolúvel de vida e amor: marido e mulher não se unem apenas pela emoção ou pela simples atração erótica, a qual, egoísticamente buscada, rapidamente vão embora[5]. Eles se unem num amor conjugal autêntico pelo firme e irrevogável ato de sua própria vontade. Uma vez que seu mútuo consentimento seja consumado pela relação sexual, um inquebrável laço é estabelecido entre os esposos. Para os batizados, este laço é selado pelo Espírito Santo, e se torna absolutamente indissolúvel. Assim, a Igreja não ensina que o divórcio é errado, mas que o divórcio é impossível, independente de suas implicações civis.

Assumidos por homem e mulher: a complementariedade dos sexos é essencial para o casamento. Há tanta confusão difundida hoje em dia a respeito da natureza do casamento que alguns desejam extender o “direito legal” de se casar para duas pessoas do mesmo sexo. A verdadeira natureza do casamento torna impossível tal proposição.

Como desígnio do Criador: Deus é o autor do casamento. Ele inscreveu o chamado ao casamento em nosso próprio ser criando-nos homens e mulheres. O casamento é governado por suas leis, fielmente transmitidas por sua Noiva, a Igreja. Para o casamento ser o que ele é, ele precisa estar conforme a estas leis. O homem, portanto, não são livres para mudar qualquer significado ou propósito do casamento.

Com o propósito de seu próprio bem: “Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2,18). Ao contrário, é para o seu próprio bem, para seu benefício, enriquecimento, e finalmente, pela sua salvação, que um homem e uma mulher unem suas vidas no casamento. O casamento é a mais básica expressão da vocação para o amor que todos os homens e mulheres possuem, enquanto pessoas criadas à imagem de Deus.

E da procriação e educação dos filhos: “Por sua própria natureza, a instituição do casamento e do amor conjugal são ordenadas para a procriação e educação dos filhos, e encontrar nisso seu auge máximo”[6]. Os filhos não são acrescentados ao casamento e ao amor conjugal, mas brotam, como fruto e realização, do próprio coração da mútua doação entre os esposos. A exclusão intencional dos filhos, portanto, contradiz a própria natureza e propósito do casamento.

Aliança: uma vez que o casamento envolve um contrato legal, ele precisa se submeter à aliança matrimonial que proporciona uma estrutura mais forte e sagrada para o casamento. Uma aliança convida os esposos a compartilhar do amor livre, total, fiel e fecundo de Deus. Por isso é Deus quem, à imagem de sua própria Aliança com seu povo, une os esposos de uma forma tão ligada e tão sagrada como nenhum contrato humano poderá jamais garantir.

A dignidade de um sacramento: o casamento entre pessoas batizadas é um sinal eficaz da união entre Cristo e a Igreja e, assim, é um canal de graça (veja abaixo uma discussão mais completa). O casamento de duas pessoas não batizadas, ou entre uma batizada e outra não batizada, é considerado pela Igreja um casamento “bom e natural”. Embora não sacramentais, tais casamentos são uniões sagradas que compartilham do mesmo bem e dos mesmos propósitos do casamento sacramental.

A Centralidade do Casamento no Plano de Deus

“A Sagrada Escritura começa com a criação do homem e da mulher à imagem e semelhança de Deus e conclui com uma visão das ‘núpcias do Cordeiro’. As Escrituras falam do começo ao fim sobre o casamento e seu ‘mistério’, sua instituição e o significado que Deus lhe deu, sua origem e seu fim, … as dificuldades em se erguer do pecado, e sua renovação ‘no Senhor’”[7]. Do começo ao fim do Antigo Testamento, o amor de Deus por seu povo é descrito como o amor de um esposo por sua noiva. No Novo Testamento, Cristo encarnou este amor. Ele veio como o Noivo Celeste para unir-se indissoluvelmente à sua Noiva, a Igreja.

O casamento, portanto, não é uma questão periférica na vida cristã. Ele se encontra justamente no coração do mistério cristão e, por meio de sua grandiosa analogia, serve para iluminá-la. Todas as analogias são inadequadas em suas tentativas de comunicar o mistério de Deus. Porém, falando sobre casamento e família, João Paulo explica: “Neste mundo inteiro não há uma imagem mais perfeita da União e Comunidade de Deus. Não há nenhuma outra realidade humana que corresponda melhor, humanamente falando, àquele mistério divino”[8].

O Papa João Paulo II vai, até agora, mostrando que nós não podemos compreender o mistério cristão sem que tenhamos em mente o “grande mistério” envolvido na criação do homem como homem e mulher e a vocação de ambos ao amor conjugal[9]. De acordo com a analogia, o plano infinito de Deus é “se casar” conosco (cf. Os 2,19). Ele quis este plano infinito para estar tão presente para nós que ele estampou uma imagem Sua em nosso próprio ser criando-nos homens e mulheres e chamando-nos ao casamento.

Homem e Mulher: Imagem da Trindade

A pessoa humana é feita à imagem de Deus (cf. Gn 1,27). João Paulo II traz uma comovente revelação ao pensamento católico colocando esta imagem não somente em nossa humanidade enquanto indivíduos, mas também na comunhão entre homem e mulher.

Como João Paulo II diz: “Deus é amor e em Si mesmo vive um mistério de comunhão pessoal amorosa. Criando a raça humana à sua própria imagem, … Deus inscreveu na humanidade do homem e da mulher a vocação, e assim a capacidade e responsabilidade do amor e da comunhão. O amor é portanto a vocação fundamental e inata de cada ser humano”. O Papa continua: “A revelação cristã reconhece duas formas específicas de se realizar a vocação da pessoa humana, em sua totalidade, para amar: o casamento, e a virgindade ou celibato. Cada uma é, em sua própria forma, uma atuação da mais profunda verdade do homem, do seu ser ‘criado à imagem de Deus[10].’”

Assim, o casamento e o celibato cristão não estão em conflito, mas são provenientes do mesmo e próprio chamado à sincera doação de si mesmo no amor “nupcial”. Cada homem é chamado, em algum sentido, a ser marido e pai. Cada mulher é chamada, em algum sentido, a ser esposa e mãe. É por isso que os termos marido, esposa, pai (padre), mãe (madre), irmão (frade, de frater) e irmã são aplicados tanto no casamento quanto na vocação celibatária. Ambos, de formas diferentes mas complementares, nos molda para que façamos parte da única família de Deus.

O casamento é um sinal terreno da realidade celeste de amor e comunhão. Quando Cristo chama alguns para o celibato “por amor ao Reino” (Mt 19,12), ele chama alguns a “pular-sela” sobre o sacramento do matrimônio, a fim de dedicar todos os seus desejos de união ao único casamento que pode satisfazer: o casamento celeste entre Cristo e a Igreja.

Casamento: Sacramento de Cristo e da Igreja

O casamento entre cristãos é um sacramento pela virtude dos batismos dos esposos. Em outras palavras, o casamento é um sinal vivo que verdadeiramente comunica o amor entre Cristo e a Igreja. Os votos dos esposos vividos em comum acordo em seu dia-a-dia, e mais especificamente em sua união “em uma só carne”, constituem este sinal vivo[11]. Como S. Paulo diz: “‘Por esta razão o homem deve deixar seu pai e sua mãe e unir-se à sua esposa, e os dois devem se tornar uma só carne’. Este é um grande mistério, eu quero dizer no que se refere a Cristo e a Igreja” (Ef 5,31-32).

Uma vez que a união “em uma só carne” entre homem e mulher prefiguram Cristo e a Igreja desde “o princípio”, João Paulo II fala do casamento como o sacramento primordial. “Todos os sacramentos da nova aliança encontram, de certa forma, seu protótipo no casamento”, diz o Santo Padre[12]. É por isso que o Batismo é um “banho nupcial”[13] e a Eucaristia é “o Sacramento do Noivo e da Noiva”[14]. Quando nós recebemos o corpo de Cristo dentro de nós mesmos, de uma forma misteriosa, como uma noiva, nós concebemos nova vida em nós mesmos — vida no Espírito Santo. É este mesmo Espírito Santo que forma o laço que une os esposos no Sacramento do Matrimônio.

Este é o “mistério profundo” do qual o casamento participa. A Eucaristia, então, é a própria origem do matrimônio cristão. “No dom Eucarístico da caridade a família cristã encontra o fundamento e a alma de sua ‘comunhão’ e sua ‘missão’”[15], isto é, amar como Deus ama.

O Enlace Matrimonial

A livre troca de consentimento adequadamente testemunhada pela Igreja estabelece o laço matrimonial. A união sexual a consuma — sela, completa, aperfeiçoa. A união sexual, portanto, é onde as palavras dos votos matrimoniais tomam corpo. A própria “linguagem” que Deus inscreveu na relação sexual é a linguagem da aliança matrimonial: a livre concordância com uma união de amor indissolúvel, fiel e aberta aos filhos.

Se os esposos intencionalmente contrariam qualquer desses bens do casamento em suas expressões sexuais, a intimidade matrimonial se torna menor do que Deus quis que ela fosse. Então os esposos, ao invés de renovar seus votos através da relação, contradizem-nos. Em termos práticos, quão saudável seria um casamento em que os esposos fossem regularmente infiéis aos seus votos? Por outro lado, quão saudável seria um casamento se os esposos regularmente renovassem seus votos, expressando uma sempre crescente concordância a eles?

Os freqüentemente contestados ensinamentos da Igreja sobre a moral sexual se tornam lúcidos quando vistos desta ótica. Como todas as realidades sacramentais, quanto mais a união sexual (como expressão consumada do sacramento do matrimônio) verdadeiramente comunicar o amor e a vida de Deus, mais corretamente irá simbolizá-los.

A união sexual que é livre, total, fiel e aberta à nova vida (ou seja, a união sexual que verdadeiramente expressa os votos matrimoniais) simboliza e participa da comunhão entre Cristo e sua Igreja. Masturbação, fornicação, adultério, sexo voluntariamente estéril, atos homossexuais, etc. — nada disso simboliza corretamente o amor entre Cristo e a Igreja, e portanto nunca leva a participar deste amor. Nenhum desses comportamentos são matrimoniais, ou seja, dignos de esposos. Assim, para que uma união sexual possa consumar um matrimônio, ela precisa ser realizada de uma “maneira humana” e ser “por si mesma apropriada à geração de filhos”[16].

O Casamento e a Ruptura Causada Pelo Pecado

Esta visão sublime do casamento freqüentemente encontra muito cinismo e resistência. Quando Jesus proclamou a natureza permanente do casamento, mesmo seus discípulos lhe disseram: “Se tal é a condição do homem a respeito da mulher, é melhor não se casar” (Mt 19,10).

A experiência universal demonstra que o casamento é ornado por dificuldades. “De acordo com a fé, a desarmonia que percebemos tão dolorosamente não é proveniente da natureza do homem e da mulher, nem da natureza de suas relações, mas do pecado. Como uma ruptura com Deus, o primeiro pecado teve como primeira conseqüência a ruptura da comunhão original entre homem e mulher.”[17]

A História atesta a pungente narração do Gênesis, confirmando que a destruição que foi realizada no relacionamento sexual é resultado de nossa desobediência a Deus. As diferenças entre homem e mulher, ao invés de completarem-se um ao outro e trazê-los à comunhão, são freqüentes causas de tensão e divisão. A própria atração sexual, dada originalmente por Deus para ser nossa força motriz para amar como Ele ama, é inclinada a se tornar — por causa do pecado — um desejo de auto-satisfação às custas de alguém.

Tudo isso impinge profundas feridas pessoais em maridos, esposas e em seus filhos que, por isso, freqüentemente crescem e acabam repetindo as mesmas falhas que seus pais cometeram em suas próprias relações. Por isso, torna-se fácil perder a fé no casamento. Mesmo Moisés reconheceu a fraqueza humana e permitiu o divórcio. Também Jesus diz: “É por causa da dureza de vosso coração que Moisés havia tolerado o divórcio”. Mas então ele acrescenta que “no princípio não era assim” (Mt 19,8).

Cristo é capaz de restaurar o plano original de Deus para o casamento de acordo com a norma porque, diferente de Moisés, Cristo é capaz de remover nossa “dureza de coração”. Seu milagre nas bodas de Caná conta a história de uma redenção matrimonial. Se o casal tiver “esgotado o vinho” necessário para viver o casamento de acordo com o plano original de Deus, Cristo vem ao mundo e “repõe o vinho” com superabundância (cf. Jo 2).

Um Convite à Conversão

Se os homens e mulheres permanecem vivendo o casamento como Deus o quis “desde o princípio”, eles precisam renunciar conscientemente a tudo que for contrário ao plano divino e continuamente renderem-se à graça da redenção. A cruz de Cristo, portanto, encontra-se no centro da teologia eclesial sobre o matrimônio.

Uma vez que homem e mulher se afastaram de Deus por seu corrompido relacionamento no paraíso, faz sentido dizer que restaurar o casamento requer um retorno radical a Deus. Assim, uma autêntica teologia do casamento não é meramente informativa mas, acima de tudo, transformadora. Ela convida os casais a uma vida de contínua conversão pessoal. Somente renunciando a si mesmos, tomando suas cruzes e seguindo Cristo é que os esposos podem viver as verdadeiras alegrias do casamento que Deus ardentemente desejou despejar sobre eles.

O casamento e a vida familiar encontram-se, como explica João Paulo II, “no centro do grande combate entre o bem e o mal, entre a vida e a morte, entre o amor e tudo o que lhe é oposto.”[18] Viver a verdade sobre o casamento, portanto, é um combate bem difícil, mesmo para aqueles que possuem sólida formação moral. Este combate traz ao nosso coração a “batalha espiritual” (Ef 6,12) que precisamos combater como cristãos se quisermos resistir ao mal (no mundo e em nós mesmos) e amar-nos uns aos outros como Cristo ama sua Noiva, a Igreja.

Boas Novas para o Mundo

A História fala sobre nações inteiras separando-se da Igreja por causa de contendas a respeito da natureza e do sentido do casamento. Em face à feroz perseguição e resistência, mesmo em nossos próprios dias, a Igreja continua firme em seus ensinamentos. Por quê a Igreja é tão obstinada? Porque o casamento é o sacramento primordial do amor de Deus. Diminuir, de qualquer forma, a natureza e o sentido do amor matrimonial é diminuir a natureza e o sentido do amor de Deus.

Os ensinamentos da Igreja sobre o casamento podem parecer quase impossíveis de se viver. “Aos homens isto é impossível, mas a Deus tudo é possível” (Mt 19,26). Quando entregamos nossas vidas à graça da redenção, é perfeitamente possível conhecer a alegria e a liberdade que são frutos do viver e amar de acordo com nossa verdadeira dignidade como homens e mulheres criados à imagem e semelhança de Deus. É verdadeiramente possível para homens e mulheres, maridos e esposas, experimentar a restauração do correto equilíbrio e mútua doação de si mesmos em seus relacionamentos.

Esta é a Boa Nova do Evangelho. O Espírito Santo foi derramado em nossos corações (Rm 5,5). O Espírito do amor faz a cruz de Cristo frutificar em nossas vidas capacitando-nos para viver a verdade completa do casamento. A Igreja nunca cessa de proclamar esta Boa Nova para a salvação de cada homem e mulher.


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[1] “Teologia do Corpo” de João Paulo II – uma coleção de 129 audiências proferidas entre setembro de 1979 e novembro de 1984 - João Paulo II fornece a mais extensa teologia bíblica do casamento. 

[2] Gaudium et Spes, n. 49 

[3] Para saber mais veja os livros de Christopher West, Good News About Sex & 
Marriage (Servant, 2000) and Theology of the Body Explained (Pauline, 2003). 

[4] Cf. Gaudium et Spes, n. 48 e Cód. de Direito Canônico, Can. 1055 
[5] Cf. Gaudium et Spes, n. 49 
[6] Gaudium et Spes, n. 48 
[7] Catecismo da Igreja Católica, n. 1602 
[8] Homilia na Festa da Sagrada Família, 30 de dezembro de 1988 
[9] Cf. Carta às Famílias, n. 19 
[10] Familiaris Consortio, n. 11 
[11] Cf. João Paulo II, Audiência Geral de 05/01/1983 
[12] Audiência Geral de 20/10/1982 
[13] Catecismo da Igreja Católica, n. 1617 
[14] Mulieris Dignitatem, n. 26 
[15] Familiaris Consortio, n. 57 
[16] Canon 1061 
[17] Catecismo da Igreja Católica n. 1606, 1607 
[18] Carta às Famílias, n. 23


Tradução e revisão: Fabrício L. Ribeiro


domingo, 12 de fevereiro de 2012

Para uma tarde bem passada...

O filme "I am David" (também conhecido, em Portugal, como "O Sonho da Liberdade"), de Paul Feig, é um filme inspirado no romance "North to freedom", de Anne Holm. Para quem ainda não viu: Aconselhado para passar uma boa tarde de forma jovial e saudável junto de pessoas agradáveis. Divirtam-se! E não se esqueçam de ter um lencinho para enxugar as lágrimas... :) Trata-se de um filme com um bom fundo moral.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Peregrinando..

Não é fácil deixar a terra de origem e enfrentar uma nova cultura, ainda que dentro do próprio país. Somos vistos, muitas vezes, como invasores, olhados com desconfiança e tidos por tudo e mais alguma coisa. Só passado algum tempo, de duras provas, alguns corações são finalmente conquistados e, de desconhecidos, passamos a conhecidos e reconhecidos.

A TERRA DE ORIGEM. Mas quando se dá o feliz regresso à terra que nos viu crescer, onde não precisamos de fazer valer os nossos direitos, pois quase todos nos conhecem, sabem de quem "somos" e, por isso, o que "temos" é apenas mais um acréscimo para satisfazer uma curiosidade ou para enaltecer a nossa essência humana, onde contemplamos tudo e todos (mesmo aqueles que nos eram indiferentes ou de quem não pensávamos tão bem) com um olhar novo - simples e amoroso -, pleno de gratidão pelo acolhimento, pela ternura de cada gesto, pela transmissão viva da fé, é, de facto, momento para agradecer a Providência Divina que tanto nos cumula...

A FAMÍLIA. A família é o espaço primordial do Amor: reflexo da comunhão e união que se vive no seio da Família Divina, Trindade Santíssima. É ela que perante tempestades de toda a sorte, distâncias, separações, nos acolhe sempre, porque - verdadeiramente - Deus fê-la, n 'Ele, nossa pertença. Ela exige de nós (exigências morais mas também sociais). É a amizade mais singela que na reciprocidade de uma entrega que se requer oblativa, predispõe a pessoa para novas amizades, fundadas por aquele Amor. 

AMIZADE. Os vínculos que se vão estabelecendo com as mais variadas pessoas que, no peregrinar desta curta vida, se vão cruzando no nosso caminho, os locais por onde vamos passando, o céu que contemplamos e o ar que juntos respiramos, fazem de cada um de nós um "cidadão do mundo", perdido entre múltiplas pertenças na vasta Comunidade que é o mundo, que é esta sociedade em que vivemos. São rostos maduros que nos dizem: «Lembro-me desta carinha em pequenina»; braços que se abrem para saudar, com a imensa saudade que a alegria do reencontro fez estimular, quem se via tão longinquamente...; amigos de amigos, irmãos na fé, família... É, também, por meios assim tão humanos que DEUS se revela a cada instante e, de modo muito particular, naqueles que, inflamados no Seu Amor administram os sacramentos, rezam com os fiéis na Igreja, adoram Jesus sacramentado, louvam o Deus da Vida e expõem, com toda a sabedoria, a sã doutrina, com todo o Amor e com toda a Misericórdia.

O MINHO. Aqui respira-se não só a "arte tradicional", a simplicidade, a generosidade, a alegria, como também, de modo singular, a FÉ - muito viva, muito presente.

Laus Deo!

sábado, 4 de fevereiro de 2012