No nosso mundo altamente técnico e cheio
de avanços científicos, pouco se tem progredido no conhecimento das profundezas
do coração. “Vivemos hoje o drama de um desnível gritante entre o fabuloso
progresso técnico e científico e a imaturidade quase infantil no que diz
respeito aos sentimentos humanos”
A afetividade não está por assim dizer
encerrada no coração, nos sentimentos, mas permeia toda a personalidade.
Estamos continuamente sentindo aquilo que pensamos e fazemos. Por isso, qualquer distúrbio da vida
afetiva acaba por impedir ou pelo menos entravar o amadurecimento da
personalidade como um todo.
Observamos isto claramente no fenômeno de fixação na adolescência ou na
adolescência retardada. Como já anotamos, o adolescente caracteriza-se por umaafetividade
egocêntrica e instável; essa característica, quando não superada na natural
evolução da personalidade, pode sofrer uma fixação, permanecendo no adulto:
este é um dos sintomas da imaturidade afetiva.
É significativo verificar como essa imaturidade parece ser uma característica
da atual geração. No nosso mundo altamente técnico e cheio de avanços
científicos, pouco se tem progredido no conhecimento das profundezas do
coração, e daí resulta aquilo que Alexis Carrel, prêmio Nobel de Medicina,
apontava no seu célebre trabalho O homem, esse desconhecido: vivemos hoje o drama de um desnível gritante entre o fabuloso progresso técnico e científico
e a imaturidade quase infantil no que diz respeito aos sentimentos humanos.
Mesmo em pessoas de alto nível intelectual, ocorre um autêntico analfabetismo afetivo: são indivíduos truncados,
incompletos, mal-formados, imaturos; estão preparados para trabalhar de forma
eficiente, mas são absolutamente incapazes de amar. Esta desproporção tem
conseqüências devastadoras: basta reparar na facilidade com que as pessoas se
casam e se descasam, se juntam e se separam. Dão a impressão de reparar apenas
na camada epidérmica do amor e de não aprofundar nos valores do coração humano
e nas leis do verdadeiro amor.
Quais são, então, os valores do verdadeiro amor? Que significado tem essa
palavra?
O amor, na realidade, tem um significado polivalente, tão dificil de definir
que já houve quem dissesse que o amor é aquilo que se sente quando se ama, e,
se perguntássemos o que se sente quando se ama, só seria possível responder
simplesmente: Amor. Este círculo vicioso deve-se ao que o insigne médico e
pensador Gregório Marañon descrevia com precisão: O amor é algo muito complexo
e variado; chama-se amor a muitas coisas que são muito diferentes, mesmo que a
sua raiz seja a mesma.
A MATURIDADE NO AMOR
Hoje, considera-se a satisfação sexual autocentrada como a expressão mais
importante do amor. Não o entendia assim o pensamento clássico, que considerava
o amor da mãe pelos filhos como o paradigma de todos os tipos de amor: o amor
que prefere o bem da pessoa amada ao próprio. Este conceito, perpassando os
séculos, permitiu que até um pensador como Hegel, que tem pouco de cristão,
afirmasse que a verdadeira essência do amor consiste em esquecer-se no outro.
Bem diferente é o conceito de amor que se cultua na nossa época. Parece que se
retrocedeu a uma espécie de adolescência da humanidade, onde o que mais conta é
o prazer. Este fenômeno tem inúmeras manifestações. Referir-nos-emos apenas a
algumas delas:
- Edifica-se a vida sentimental sobre uma base pouco sólida: confunde-se
amor com namoricos, atração sexual com enamoramento profundo. Todos conhecemos
algum don Juan: um mestre na arte de conquistar e um fracassado à hora da
abnegação que todo o amor exige. Incapazes de um amor maduro, essas pessoas
nunca chegam a assimilar aquilo que afirmava Montesquieu: É mais fácil
conquistar do que manter a conquista.
- Diviniza-se o amor: A pessoa imatura - escreve
Enrique Rojas - idealiza a vida afetiva e exalta o amor conjugal como algo
extraordinário e maravilhoso. Isto constitui um erro, porque não aprofunda na
análise. O amor é uma tarefa esforçada de melhora pessoal durante a qual se
burilam os defeitos próprios e os que afetam o outro cônjuge <...>. A pessoa imatura converte o outro num absoluto. Isto costuma pagar-se caro. É natural que ao longo do namoro
exista um deslumbramento que impede de reparar na realidade, fenômeno que Ortega y Gasset
designou por doença da atenção, mas também é verdade que o difícil convívio
diário coloca cada qual no seu lugar; a verdade aflora sem máscaras, e, à
medida que se desenvolve a vida ordinária, vai aparecendo a imagem real.(E.
Rojas)
- No imaturo, o amor fica cristalizado, como diz Stendhal, nessa fase dedeslumbramento,
e não aprofunda na versão real que o convívio conjugal vai desvendando. Quando
o amor é profundo, as divergências que se descobrem acabam por superar-se;
quando é superficial, por ser imaturo, provocam conflitos e freqüentemente
rupturas.
- A pessoa afetivamente imatura desconhece que os sentimentos não são estáticos, mas dinâmicos. São suscetíveis de melhora e devem ser cultivados no viver
quotidiano. São como plantas delicadas que precisam ser regadas diariamente. O amor inteligente exige o cuidado dos detalhes pequenos e uma
alta porcentagem de artesanato psicológico .(E.Rojas)
A pessoa consciente, madura, sabe que o amor se constrói dia após dia, lutando por corrigir defeitos, contornar dificuldades, evitar
atritos e manifestar sempre afeição e carinho.
- Os imaturos querem antes receber do que dar. Quem é imaturo quer que
todos sejam como uma peça integrante da máquina da sua felicidade. Ama somente
para que os outros o realizem. Amar para ele é uma forma de satisfazer uma
necessidade afetiva, sexual, ou uma forma de auto-afirmação. O amor acaba por
tornar-se uma espécie de grude que prende os outros ao próprio eu para
completá-lo ou engrandecê-lo.
Mas esse amor, que não deixa de ser uma forma transferida de egoísmo, desemboca
na frustração. Procura cada vez mais atrair os outros para si e os outros vão
progressivamente afastando-se dele. Acaba abandonado por todos, porque ninguém
quer submeter-se ao seu pegajoso egocentrismo; ninguém quer ser apenas um
instrumento da felicidade alheia.
Os sentimentos são caminho de ida e volta; deve haver reciprocidade. A pessoa imatura acaba sempre
queixando-se da solidão que ela mesma provocou por falta de espírito de
renúncia. A nossa sociedade esqueceu quase tudo sobre o que é o amor. Como diz
Enrique Rojas: Não há felicidade se não há
amor e não há amor sem renúncia. Um segmento essencial da
afetividade está tecido de sacrifício. Algo que não está na moda, que não é
popular, mas que acaba por ser fundamental.
Há pouco, um amigo, professor de uma Faculdade de Jornalismo, referiu-me um
episódio relacionado com um seu primo - extremamente egoísta - que se tinha
casado e separado três vezes. No cartão de Natal, após desejar-lhe boas festas,
esse professor perguntava-lhe em que situação afetiva se encontrava. Recebeu
uma resposta chocante: Assino eu e a minha gata. Como ela não sabe assinar, o
faz estampando a sua pata no cartão: são as suas marcas digitais. Este
animalzinho é o único que quer permanecer ao meu lado. É o único que me ama.
O imaturo pretende introduzir o outro no seu projeto pessoal de vida, em vez de
tentar contribuir com o outro num projeto construído em comum. A felicidade do
cônjuge, da família e dos filhos: esse é o projeto comum do verdadeiro amor. As
pessoas imaturas não compreendem que a dedicação aos filhos constitui um fator
importante para a estabilidade afetiva dos pais. Também não assimilaram a idéia
de que, para se realizarem a si mesmos, têm de se empenhar na realização do
cônjuge. Quem não é solidário termina solitário. Ou juntando-se a uma gatinha, seja de que
espécie for.
EDUCAR A AFETIVIDADE
Mais do que nunca, é preciso prestar atenção hoje à educação da afetividade dos
filhos e à reeducação da afetividade dos adultos. Uma educação e uma reeducação
que devem ter como base esse conceito mais nobre do amor que acabamos de
formular: aquele que vai superando o estágio do amor de apetência - que apetece
e dá prazer - para passar ao amor de complacência - que compraz afetivamente -
e abrir-se ao amor oblativo de benevolência - que sabe renunciar e entregar-se para conseguir o bem do outro.
O amor maduro exige domínio próprio: ir ascendendo do mundo elementar - imaturo
- do mero prazer, até o mundo racional e espiritual em que o homem encontra a
sua plena dignidade. Reclama que se canalizem as inclinações naturais
sensitivas para pô-las ao serviço da totalidade da pessoa humana, com as suas
exigências racionais e espirituais. Requer que se conceda à vontade o seu papel
reitor, livre e responsável. Pede que, por cima dos gostos e sentimentos
pessoais, se valorizem os compromissos sérios reciprocamente assumidos... Aaron
Beek, no seu livro Só o amor não basta, insiste repetidamente em que é necessária a determinação da
vontade para dar consistência aos movimentos intermitentes do coração: o mero
sentimento não basta.
O amor como dom de si comporta - diz o Catecismo da Igreja Católica - uma aprendizagem do domínio de si <...>. As alternativas são claras: ou o homem comanda e
domina as suas paixões e obtém a paz, ou se deixa subjugar por elas e se torna
infeliz. Esse domínio de si mesmo é um trabalho a longo prazo. Nunca deve ser considerado definitivamente adquirido. Supõe um
esforço a ser retomado em todas as idades da vida.
Isto significa cultivar o amor. O maior de todos os amores desmoronar-se-á se não for
aperfeiçoado diariamente. Empenho este que, na vida diária, se traduz no
esforço por esmerar-se na realização das pequenas coisas, à semelhança do
trabalho do ourives, feito com filigranas delicadamente entrelaçadas cada dia,
na tarefa de aprimorar o trato mútuo, evitando os pormenores que prejudicam a
convivência.
A convivência é uma arte preciosa. Exige uma série de diligências: prestar
atenção habitual às necessidades do outro; corrigir os defeitos; superar os
pequenos conflitos para que não gerem os grandes; aprender a escutar mais do
que a falar; vencer o cansaço provocado pela rotina; retribuir com gratidão os
esforços feitos pelo outro... e, especialmente, renovar, no pequeno e no
grande, o compromisso de uma mútua fidelidade que exige perseverança nas menores exigências do amor..., uma
perseverança que não goza dos favores de uma sociedade hedonista e
permissivista, inclinada sempre ao mais gostoso e prazeroso.
O coração não foi feito para amoricos, dizíamos, mas para amores fortes. Osentimentalismo é para o amor o que a caricatura é para o rosto. Alguns parecem
ter o coração de chiclete: apegam-se a tudo. Uns olhos bonitos, uma voz meiga,
um caminhar charmoso, podem fazer-lhes tremer os fundamentos da fidelidade.
Outros parecem inveterados novelistas: sentem sempre a necessidade de estar
envolvidos em algum romance, real ou imaginário, sendo eles os eternos
protagonistas: dão a impressão de que a televisão mental lhes absorve todos os
pensamentos.
Precisamos educar o nosso coração para a fidelidade. Amores maduros são sempre
amores fiéis. Não podemos ter um coração de bailarina. A guarda dos sentidos -
especialmente da vista - e da imaginação há de proteger-nos da inconstância
sentimental, do comportamento volátil de um beija-flor...
Tudo isto faz parte do que denominávamos a
educação afetiva dos jovens e areeducação afetiva dos
adultos. João Paulo II a chama a educação para o amor como dom
de si: diante de uma cultura que «banaliza» em grande parte a
sexualidade humana, porque a interpreta e vive de maneira limitada e
empobrecida, ligando-a exclusivamente ao corpo e ao prazer egoístico, a tarefa
educativa deve dirigir-se com firmeza para uma cultura sexual verdadeira e
plenamente pessoal. A sexualidade, de fato, é uma riqueza da pessoa toda -
corpo, sentimento e alma -, e manifesta o seu significado íntimo ao levar a
pessoa ao dom de si no amor.
4 comentários:
Paradoxos do nosso tempo
Temos edifícios mais altos, mas menos tolerância.
Auto-estradas mais largas, mas pontos de vista mais estreitos.
Gastamos mais, mas temos menos.
Aspiramos a ter casas maiores e famílias mais pequenas.
Temos mais comodidades, mas menos tempo.
Temos mais educação, mas menos senso comum.
Mais conhecimento, mas menos juízo.
Mais perícia, mas mais problemas.
Mais medicamentos, mas menos bem-estar.
Multiplicamos as nossas posses, mas reduzimos os nossos valores.
Pregamos muito, mas amamos pouco.
Aprendemos a ganhar a vida, mas não a vivê-la plenamente.
Juntamos anos à nossa vida, mas não vida aos nossos anos.
Fomos e regressámos da lua, mas temos dificuldade em saudar o nosso vizinho.
Aspiramos a conquistar o espaço exterior, mas não o espaço interior.
Tentamos limpar o ar, mas continuamos contaminando a alma.
Dividimos o átomo, mas não os nossos preconceitos.
Multiplicamos a quantidade, mas diminuímos a qualidade.
Neste tempo há grandes homens, mas de pouco carácter.
Há grandes ganhos e relações superficiais.
Todos aspiramos pela paz mundial, mas continua a haver violência doméstica.
Há mais tempo livre, mas menos diversão.
Mais variedade de alimentos, mas menos diversidade.
Estes são os dias de dois salários, mas de mais divórcios.
De casas mais belas, mas de lares mais desunidos.
Este é um tempo em que podes escolher ser diferente ou simplesmente carregar na tecla "delete".
Como diz a B. Teresa de Calcutá: "A falta de amor é a maior de todas as pobrezas".
E à medida que os anos vão passando, mediante o que vejo a cada instante, mais me convenço disto.
Trabalha e estuda muito, e hoje mais ainda (é sexta-feira :D)!
Pax et Bonum!
Esses "paradoxos do nosso tempo" provêm de ti? Muy bien !
:)
Por acaso não. O texto é da autoria de um padre cujo nome não me lembro. Roubei-a da revista Cruzada. :)
Enviar um comentário