Por Eduardo Jorge Duque, professor da Universidade do Minho
Vejo
a Capital Europeia da Cultura como um encontro de culturas. Por si só, esta
interpretação é já um desafio, na medida em que, como encontro que é, implica
conhecimento, abertura e respeito pelo outro, sendo este o lugar por excelência
de questionamento do sujeito.
Num momento em que a Europa, depois de
universalizar o seu modelo de vida em diferentes padrões de culturas, se nos
afigura desgastada, esvaziada de valores e sem identidade, dando a impressão de
que chegou ao seu fim, poderemos descobrir neste encontro de culturas uma
plataforma que ajuda a construir uma habitação sólida e solidária, aonde se
cruza o trabalho local com o nacional e internacional, como quem deseja arejar
e enriquecer a sua casa. Foi isso que vimos no dia da abertura da Capital Europeia
de Guimarães, que, com o tom solene do Maestro Rui Massena, agregou
instrumentos e pessoas locais e de além fronteiras, tudo numa mesma harmonia.
Oswald Spengler viu nas grandes expressões
culturais como que uma espécie de lei natural ao referir que existe um momento
de nascimento, crescimento gradual, desenvolvimento, lento empobrecimento,
envelhecimento e, como consequência natural deste processo, surgiria a morte.
Para este autor, o Ocidente chegou ao seu fim, como uma pessoa que teve o seu
tempo. Ora, poderíamos perguntar, como chegamos até aqui? Como cavamos a nossa
própria sepultura? Muitos autores apontam o dedo ao vago exercício da razão
crítica, ao culta da técnica, à relatividade, já que deixou de haver qualquer
verdade substantiva que não tenha sido impugnada, facto que levou G. Steiner a
invocar a “nostalgia do Absoluto”. O homem moderno libertou-se de tutelas, de
referências não porque se tenha decidido libertar da Igreja, mas porque as
perdeu de vista, ficando, como consequência, cada vez mais só.
A Capital da Cultura ao potenciar as
diferentes expressões culturais está, por um lado, a não permitir que se perca
o acervo de valores comuns adquiridos ao largo de séculos de história de
vitórias, de sangue e de lágrimas de um povo, por outro lado, está a
revitalizar as estruturas locais, a permitir que se partilhe o que de melhor se
faz, construindo comunidades sólidas, que acreditam que é possível voar mais
alto para superar qualquer crise de identidade. Estou certo de que Portugal
precisa deste ânimo para não sucumbir à certidão de Spengler.
Ora, se o Ocidente está em crise e se, em
parte, conhecemos a sua causa, podemos apontar-lhe o processo de cura, que
passará, a meu ver, pela adesão livre às propostas de Cristo, que se revelou um
Deus próximo das nossas vulnerabilidades. O problema é que, em muitas
circunstâncias, é inconveniente, ou pouco aconselhável, fazer-se uma qualquer
referência a Deus. Sabemos que a este respeito existe um falso argumento que
confunde o secularismo com a imparcialidade ou neutralidade. Por que é que a
exclusão da referência a Deus, à religião ou à Igreja é mais neutral do que a
sua inclusão? Deixando de lado toda a polémica subjacente a esta questão,
interessa-nos aqui apresentar a Igreja não exclusivamente como comunidade
crente, mas como comunidade que oferece uma tradução contemporânea da mensagem
evangélica. E neste contexto, encontramos a Igreja a dialogar com a CEC,
propondo iniciativas como o roteiro religioso, aonde se disponibiliza material
que auxilia a interpretar a arte religiosa, ou o Átrio dos Gentios, que se
propõe ser um espaço de diálogo entre crentes e não crentes.
A Igreja, neste diálogo aberto e concreto com
a CEC, tem a oportunidade de lançar sementes do Reino, rasgar horizontes de
felicidade, comunicar sinais de esperança, enfim, ser uma realidade concreta no
espaço das relações humanas. A Igreja, tal como outrora - porque trás em si
inscrita o diálogo das civilizações -, tem que continuar a ser, também hoje,
fator primário de unidade entre povos e culturas. Daí que a CEC não é estranha
à Igreja, bem pelo contrário, já que, tanto a Igreja como CEC, são genética e
culturalmente universais.
Seria desejável que a CEC, na programação que
tem pela frente, não se fechasse - e não o tem feito -, em conteúdos de
superficialidade, de índole niilista, mas que fizesse propostas culturais
verdadeiramente humanas, esperançadas, que fale da frescura da vida, de forma a
que não construa uma imagem de uma sociedade, neste caso concreto a partir de
Guimarães, enferma, sem memória, perdida no tempo ou sem sentido.
Seria bom que, finda a programação da CEC, se
continuasse abrir horizontes, se encontrassem pessoas motivadas para a cultura,
se entendesse os tambores, pianos, trompetes, fagotes e violinos, se prolongasse
as tertúlias à procura da verdade, se veja películas na praça, se trabalhe o
artesanato, se valorize os escritores e os poetas (…), se procure ver as coisas
tal como são. Assim, a cultura, a que se deseja que a Capital Europeia da
Cultura evoque, deixa de ser, como é tantas vezes no presente, meio de evasão e
símbolo de decadência, para passar a mobilizar a inteligência e purificar o
olhar.
Fonte: Agência Ecclesia
4 comentários:
Eu cheguei a conhecer Guimarães e gostei imenso. Cheguei a estar uns dias em Ronfe, não sei se conheces...
Beijinhos.
Fui lá pouquíssimas vezes (só me estou a recordar de duas) e quase não vi nada pois a minha visita restringia-se a visitar uns familiares...
Abraço em Cristo!
Já eu não posso dizer o mesmo. Estive lá, mas neste preciso momento já não pode considerar-se como algo que foi pelos melhores motivos. O tempo passou e entretanto o que dantes era bom, hoje já deixou de o ser. Enfim, faz parte da vida. :)
Beijinhos.
Então? Depois poderás explicar... por outra via...
Um santo e feliz dia!
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