A homilía escutada ontem, na Missa vespertina do IV Domingo do Advento (bem como as de hoje), levou-me a reflectir sobre a Vontade de Deus e os Seus pensamentos, os Seus desígnios, porventura tantas vezes diferentes dos nossos... Projectamos tanta coisa... Também Maria Santíssima foi uma jovem com os seus sonhos; também S. José foi um homem justo que pensou no seu futuro, que projectou... No entanto, quando Deus fala, desinstala... Desinstalou Maria... e desinstalou José...
E, dizia o sacerdote, acharemos nós que foi fácil a vida de ambos? Não. Não foi nada fácil. E podemos reflectir um pouco sobre cada uma destas santíssimas personagens para concluirmos que, de facto, as suas vidas foram bem difíceis, superadas apenas pelo Puro Amor que ali habitava, neles e entre eles: o próprio Deus.
Isto leva-me a pensar o seguinte: só uma pessoa que deseja, verdadeiramente, ser santa, ser pura e purificada (juntando a isto tudo, ou não, um carácter simpático, comunicativo, humilde e simples) é que consegue, ou melhor, é que permite que Deus vença nela todos os obstáculos que se opõe à vivência da Caridade estabelecendo com outra, também assim, um círculo de Amor Único e Trinitário (não exclusivo, consoante o estado de vida...).
Sim, o eros quer-nos elevar « em êxtase » para o Divino, conduzir-nos para além de nós próprios, mas por isso mesmo requer um caminho de ascese, renúncias, purificações e saneamentos (Deus Caritas est, 5).
Na realidade, eros e agape — amor ascendente e amor descendente — nunca se deixam separar completamente um do outro. Quanto mais os dois encontrarem a justa unidade, embora em distintas dimensões, na única realidade do amor, tanto mais se realiza a verdadeira natureza do amor em geral (Deus Caritas est, 7).
É superiormente bela a experiência do encontro entre duas pessoas que, na simplicidade dos gestos e das palavras e num espírito filial / irmanal e de mútuo respeito (nomeadamente entre um homem e uma mulher - a complementaridade), conseguem expressar a beleza do Amor de Deus, amor divino que passa pelo humano, pois amamos no corpo, num corpo reconciliado. Refiro-me de modo particular ao dia de hoje... Um grande convívio, muitas pessoas, entre as quais muitas conhecidas. Primeiramente, surgem os temores de ter de enfrentar tanta gente e o achar que vai ser uma "perda de tempo", algo muito "banal". Mas, depois, quando começamos a redescobrir as amizades que temos, a rever pessoas que não víamos havia tempos! Oh! Renasce a alegria destes momentos de "convívio" amistoso e pleno da Caridade de Cristo. Mas, as mais significativas são aquelas pessoas que amam e se amam virginalmente. Parece algo utópico e não devemos, de facto, cair numa espiritualidade despida da humanidade. Porém, quando tal acontece, é motivo de dar graças e louvores a Deus.
S. José viu os seus projectos transformados, sublimados... Casar-se com uma mulher com quem deveria viver em perfeita castidade? Parece algo absurdo (e é para os casais, ao quais Deus deu a ordem da procriação; a Sagrada Família é um caso à parte). É com ele que todos os sacerdotes devem aprender a amar cada pessoa como "outro Cristo", como irmão, como irmã, como filho, como filha.
Amor a Deus e amor ao próximo são inseparáveis, constituem um único mandamento. Mas, ambos vivem do amor preveniente com que Deus nos amou primeiro. Deste modo, já não se trata de um « mandamento » que do exterior nos impõe o impossível, mas de uma experiência do amor proporcionada do interior, um amor que, por sua natureza, deve ser ulteriormente comunicado aos outros. O amor cresce através do amor. O amor é « divino », porque vem de Deus e nos une a Deus, e, através deste processo unificador, transforma-nos em um Nós, que supera as nossas divisões e nos faz ser um só, até que, no fim, Deus seja « tudo em todos » (Deus Caritas est, 18).
Que a Santíssima Virgem Maria eduque o nosso coração... Nos faça ver a beleza que há no coração dos outros, no olhar, no sorriso; em amor ágape, kenótico, oblativo; em gestos simples e breves de quem chega mas que sabe que terá logo de partir, de quem tudo tem mas sem nada possuir... Isto sim é AMIZADE vivida na CARIDADE.
Continuação de um santo Advento! Preparemo-nos para acolher devidamente o nosso Deus! A Sua graça não faltará! «Omnia possum in eo qui me confortat» (tudo posso n'Aquele que me conforta) - Fil 4, 13.